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Legitimidade questionada: desafios da mulher no sistema penitenciário

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Servidoras falam sobre a sua luta diária por validação e respeito no trabalho
Servidoras falam sobre a sua luta diária por validação e respeito no trabalho
Por João Pedro Rodrigues / Ascom SJSPS

A luta por validação é uma constante para mulheres que vivem a realidade do mercado de trabalho. Lidar com o machismo, e o consequente descrédito que o acompanha, faz parte da rotina de muitas delas que atuam nas mais diferentes áreas, o que acaba dificultando uma possível ascensão dentro de suas carreiras. A alternativa: se impor para conquistar espaço e respeito.

Em um ambiente historicamente reservado aos homens, como é o caso em boa parte da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), a situação não é diferente, principalmente para aquelas mulheres que atuam na linha de frente da Instituição. Hoje, por exemplo, de um total de 4.677 agentes penitenciários, apenas 1.309 são mulheres, número equivalente a 28% do total.

Essa realidade no trabalho, de acordo com a agente penitenciária (AP) e integrante operacional do Grupo de Intervenção Regional (GIR) da 2ª DPR, Paula Finamor Velasquez, se reflete em uma necessidade de provação diária para conseguir a aceitação dos colegas. “Precisamos mostrar constantemente que somos capazes de desempenhar o nosso exercício profissional”, conta.

Em razão das falas preconceituosas, dos olhares carregados de menosprezo e, claro, da falta de oportunidades ofertadas em determinadas áreas, o caminho parece, muitas vezes, se fechar, mas não o suficiente para impedi-la de seguir determinada a mudar a situação. “Nossa resposta vem rodeada de força e posicionamento para superar os desafios e cumprir a nossa missão”, afirma Paula.

E é com esse pensamento que ela segue construindo a sua trajetória na Susepe, que começou há cerca de três anos, quando entrou na Escola de Serviço Penitenciário (ESP) como responsável do setor disciplinar. Paralelamente, era também instrutora da disciplina de Defesa Pessoal dos servidores de diversas casas prisionais do Estado e também dos alunos que ingressaram no sistema prisional.

Desde o início, a identificação com a área operacional era grande, assim como a vontade de conquistar o seu espaço no setor. Para isso, ela procurou fazer a sua parte, sempre realizando cursos de aperfeiçoamento e capacitação, a fim de desempenhar as suas atividades da melhor maneira possível.

“É com orgulho que vejo uma maior ocupação de colegas femininas em cargos de  liderança, no decorrer do tempo”, diz. “O êxito dessa conquista tem se tornado cada vez mais visível, graças à busca incessante pelo preparo técnico profissional, pela iniciativa e pela dedicação das agentes femininas. Isso serve como motivação e referência para outras  colegas que buscam crescer na carreira”, complementa. 

A agente penitenciária administrativa (APA) Ivani Ficanha Nietiedt, que atua no Departamento Administrativo da Susepe, também enfrenta desafios semelhantes. Apesar da diferença na questão numérica do cargo exercido por ela, já que, dos 477 agentes, 287 são mulheres (número equivalente a 60% do total), o machismo ainda se faz presente.

Há mais de 10 anos atuando na área, Ivani já pôde viver e conhecer bastante a realidade do sistema prisional. Após passar pelo curso de formação, em 2010, foi lotada no Departamento de Segurança e Execução Penal (DSEP). Lá, ela permaneceu até 2019, quando foi convidada para trabalhar no Apoio do Gabinete do Superintendente, onde ficou até o ano passado.

Durante essa trajetória, foram vários os desafios enfrentados, e muitos deles surgiram apenas por ser mulher. Quando entrou na Susepe, as mulheres que exerciam cargos operacionais eram mais discriminadas do que as que atuavam na área administrativa. Até por isso já havia uma aceitação maior. “Diziam que era cargo de 'mulherzinha''', comenta. 

No entanto, mesmo com essa visão pejorativa da área, ser mulher no ambiente de trabalho não facilitou as coisas, já que isso implicava a possibilidade do surgimento de um “fardo” que, invariavelmente, a afastaria do seu trabalho: ser mãe. Foi neste momento que ela percebeu, de maneira mais incisiva, a discriminação.

A licença maternidade, que a afastou por seis meses, foi interpretada como férias por alguns homens, que não entendiam que esse período era utilizado para atender à filha. “O respeito é nosso por direito, mas nos vemos obrigadas a lembrar disso todos os dias, horas e minutos de nossa jornada profissional”, completa.

Aos poucos, as conquistas

Recentemente, a Susepe, através da Secretaria de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo (SJSPS), assinou, junto ao Governador do Estado, o Plano de Atenção às Mulheres Privadas de Liberdade e Egressas do Sistema  Prisional, no qual foram previstas várias iniciativas voltadas também às servidoras. Dentre elas, capacitações e aquisições de equipamentos.

É um esforço para impulsionar a participação das mulheres em diferentes posições dentro da Instituição, buscando também reconhecer o seu espaço e as suas especificidades. Um dos maiores exemplos disso é que, pela primeira vez na história, a Susepe adquiriu coletes balísticos especificamente femininos para as agentes penitenciárias.

É uma conquista importante, já que cada servidora vai receber um colete apropriado para a anatomia do corpo feminino. Como explica a agente penitenciária Paula Velasquez, o equipamento de proteção individual é indispensável para todos os agentes que atuam na segurança pública, e o tamanho e o ajuste corretos são fundamentais para não comprometer a mobilidade e as ações.

“Essa aquisição tem uma importância gigantesca para a Instituição”, salienta. “É um grande passo de valorização, respeito e atenção com a segurança das servidoras femininas”, complementa. 

Quem concorda é a técnica superior penitenciária (TSP) psicóloga Débora Ferreira, diretora adjunta do Departamento de Políticas Penais (DPP) da SJSPS. Para ela, a iniciativa é uma grande conquista, porque demonstra que as especificidades das mulheres estão sendo atendidas, proporcionando a elas não só conforto para o dia a dia do trabalho, mas também a sua valorização.

Débora destaca, ainda, o curso destinado às agentes penitenciárias de habilitação em fuzil 556, que também está previsto no plano da Susepe. “Acho bem emblemático. É algo considerado de alto potencial de periculosidade, que não se espera de mulheres, no senso comum. Isso mostra que estamos avançando e que as mulheres têm competência, sim, para manusear essas armas”, frisa.

Apesar de avanços como esses, a TSP acredita que ainda há muito o que melhorar no sistema prisional quanto à questão da mulher. Ela, que já trabalhou na unidade básica de saúde (UBS) do Complexo Penitenciário de Charqueadas, pôde perceber as melhorias que o sistema prisional desenvolveu, mas acredita que a luta pelo espaço e pelo respeito das mulheres deve continuar.

Assim como a situação das agentes penitenciárias administrativas, as técnicas superiores penitenciárias são, em sua maioria, mulheres. Ao todo, são 354, número que equivale a 87% do total. No entanto, para Débora, isso está relacionado ao fato de as profissões ligadas ao cuidado e à saúde já serem, historicamente, ocupadas por mulheres. 

Semelhante também à situação das APAs, as TSPs também enfrentam o machismo no seu cotidiano de trabalho. E, da mesma maneira, a alternativa é se impor. “Com o tempo, nós aprendemos a nos colocar e a nos impor em relação aos colegas nesse sentido, mostrando o nosso trabalho e a nossa competência. Aos poucos, vamos conquistando o nosso lugar por mérito do trabalho reconhecido”, afirma. “É uma luta constante. Precisamos sempre estar ali fazendo disputas necessárias e importantes em relação à questão de gênero”, avalia.

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