Complexo Prisional de Canoas aposta no trabalho para a ressocialização de apenados
Atualmente, cerca de 900 pessoas privadas de liberdade realizam algum tipo de atividade laboral na unidade
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Há três meses, Carlos começava uma nova vida na empresa de móveis e estofados Eloah Nissi. Estava, enfim, em liberdade, após ficar cerca de sete meses cumprindo pena no Complexo Prisional de Canoas.
Foi na unidade onde deu início à sua jornada na companhia, trabalhando na produção de sofás, armários, camas e semelhantes. Diariamente, apresentava-se no galpão da empresa, localizado dentro do Complexo, para exercer a profissão que sonhava manter após sair do sistema penal. Sonho este que virou realidade quando foi contratado para continuar executando o seu serviço fora da penitenciária.
“Eu tive a oportunidade de voltar como funcionário contratado, dando continuidade a esse trabalho de ressocialização. É uma forma de nos manter longe do crime e de garantir uma renda para continuar vivendo”, conta. “Tem sido bom para mim, porque é difícil sair daqui e ter uma chance de trabalho lá fora.”
A oportunidade foi dada pelo proprietário da companhia, Adriano Azevedo de Medeiros. Da mesma forma que Carlos, ele também é um egresso do sistema penal, e justamente por isso decidiu apostar no trabalho prisional. Foram três anos de pena em regime fechado e mais seis no semiaberto. Durante essa época, ele já via que a escassez de trabalho diante da alta na mão de obra era uma abertura para empreender. E foi o que fez. Quando saiu em liberdade, virou sócio da empresa que pertencia a um amigo e, depois de um tempo, a adquiriu por completo.
Hoje, mantém toda a sua operação na unidade, garantindo o trabalho de 18 apenados e dois egressos. “Aqui, não tem nenhuma distração. Eles vêm para trabalhar e estão focados. Também, não tem problema de falta, a não ser por doença mesmo. A minha mão de obra é bem mais qualificada, e, por isso, eu não tenho interesse nenhum em trabalhar na rua”, justifica.
Assim como a Eloah Nissi, outras 12 empresas investem na mão de obra prisional do Complexo de Canoas, através de parcerias com a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), vinculada à Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo (SSPS). Além disso, uma 14ª está em fase de adaptação para iniciar as suas atividades no estabelecimento.
São negócios de diferentes setores do mercado, como o alimentício, o de vestuário e o de reciclagem, além do moveleiro. Ao todo, eles empregam 210 apenados, que trabalham de forma remunerada, com um salário que varia de R$ 990 (75% do salário mínimo, conforme autorizado pela Lei de Execução Penal) a R$ 1.320.
Ainda, cerca de 700 detentos participam de ligas internas não remuneradas, que envolvem serviços na cozinha geral, faxina, manutenção e em diversos outros setores, em troca da remição da pena – a cada três dias de trabalho, é reduzido um de pena. Dessa forma, são cerca de 900 presos trabalhando no local, de um total de 2.380.
Para o responsável pelo trabalho prisional do estabelecimento, Yeriah Kader, o aprendizado adquirido no serviço é fundamental para que o apenado tenha uma profissão no futuro e consiga, ao sair em liberdade, continuar a sustentar a sua família, que, na maioria dos casos, é financeiramente dependente dele.
Aos poucos, no entanto, esse pensamento se une a uma vontade de mudança de vida e uma busca por profissionalização. “Cada vez mais vemos apenados que saem e conseguem empregos no ramo, ou até mesmo na própria empresa que trabalhavam aqui dentro”, ressalta.
Cabe salientar que, dentro do Complexo, as empresas têm o benefício de não pagar aluguel, luz, água e demais despesas. A contrapartida é feita através de capacitações e treinamentos para os apenados, que, em grande parte, não têm experiência prévia nas áreas que irão atuar.
Novas perspectivas de futuro
O trabalho prisional é uma forma de profissionalizar o apenado, pensando no seu retorno à sociedade após o cumprimento da pena. É uma maneira de fazer com que o preso tenha uma outra perspectiva de futuro, com novos objetivos e metas para a sua vida. Essa é a visão de Sérgio, detento que há dois anos trabalha na Pioneira, empresa do segmento têxtil que tem como foco a produção de capas para motociclistas e pescadores, por exemplo.
Foi através da sua competência e da vontade de mudar que ele conseguiu se tornar o responsável pelo setor de costura no estabelecimento prisional. Mas nem sempre foi assim. Quando chegou ao Complexo Prisional de Canoas, seu intuito era apenas trabalhar pela remição e pelo salário. Isso porque, por estar preso, ele acreditava que era uma pessoa ruim e que continuaria sendo após a sua saída.
A situação mudou quando, de fato, ingressou na empresa e começou a trabalhar, após um ano dentro da unidade. Aos poucos, foi percebendo que as coisas poderiam ser diferentes, e o seu pensamento transformou-se a ponto de torná-lo uma liderança no seu espaço de trabalho. “Eu comecei a ter objetivos, a pensar de uma outra forma. Tracei metas para a minha vida. Hoje, eu penso em conseguir uma chance de crescimento, e, se não conseguir, vou eu mesmo criar o meu espaço”, destaca.
De acordo com ele, ainda, essa é uma ideia contagiante dentro do local de trabalho, de forma que os apenados, em sua maioria, buscam se ajudar quando necessário, seja quando o problema é a falta de motivação, seja quando o problema é um conflito entre os presos. Para eles, o objetivo, no fim das contas, é garantir um trabalho de qualidade. “Quem não sabia o que era trabalhar com meta, hoje se puxa. Hoje entende”, salienta.
Educação como atividade complementar
Além do trabalho, os presos também são incentivados a realizarem atividades de ensino na unidade. Atualmente, um total de 217 apenados estão matriculados no Núcleo Estadual de Educação de Jovens e Adultos (NEEJA) Nelson Mandela, ferramenta destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no Ensino Fundamental e Ensino Médio na idade própria, com atendimento individualizado.
Em maio deste ano, o espaço passou por uma ampliação de suas atividades devido à abertura de três turmas em turno vespertino, voltadas a apenados que desenvolvem uma atividade laboral remunerada em alguma das empresas instaladas no Complexo. Ao fim do turno de trabalho, os reclusos participam das aulas de ensino regular do Ensino Fundamental 2 (do 4º ao 9º ano). As três turmas estão lotadas (45 alunos) e com fila de espera.
Hoje, todas as galerias da unidade prisional são contempladas com alguma atividade de estudo. Aquelas que não contam com ensino regular participam da atividade de remição pela leitura, iniciativa que já acontece em duas galerias e, nos próximos meses, deve ser ampliada.
*nomes dos apenados são fictícios.
Texto: João Pedro Rodrigues/Ascom SSPS